Depois de anos de descaso e abandono, depois da ameaça da extinção, o Museu de Arte Popular parece ter sido, finalmente, salvo. Pelo menos, a avaliar pelas avisadas palavras da Ministra da Cultura.
Para quem andou, durante meses a fio, a lutar pela sobrevivência deste projecto foi, seguramente, uma grande vitória. Do ponto de vista do observador interessado, a vitória — ainda que por interpostas pessoas — não foi menor. Fica, entre outras coisas, a lição de que é possível conseguir resultados desde que se lute por eles. E é nesse sentido que venho escrever hoje estas notas.
No sábado 20 de Junho, após o último debate em frente ao museu, fiquei, sobretudo, com vontade de poder fazer mais. De poder contribuir um pouco mais não apenas na defesa do museu, para impedir a sua destruição e substituição pelo tal museu da língua, como sobretudo para a sua concretização enquanto MAP.
Depois de sair do debate ainda fiquei com amigos numa continuação de troca de ideias e continuei a pensar no assunto. Como investigadora da história dos museus públicos em Portugal, parece-me que, tristemente, a história se repete, se adia, mas nunca se cumpre. E provavelmente por duas razões principais: o eterno descaso do Estado — que tutela mas não gere — e o nosso enquanto cidadãos. Na verdade, como em tudo, também no que à cultura diz respeito continuamos a criticar muito e a fazer muito pouco. Neste aspecto, o MAP motivou como poucos a convergência de esforços de um grupo de cidadãos que — estou convicta —, à parte os méritos do raciocínio informado e culto da actual Ministra levou a bom porto a decisão de parar o disparate absoluto que era o projecto do Museu da Língua naquele local.
No entanto, creio que, no geral, continuam a faltar projectos que possam manter a concorrência e a competência (e competitividade) dos museus a funcionar de modo proveitoso para todos. No caso particular do MAP, agora salvo, espero que a imaginação seja posta em campo para manter este salvamento e não apenas para adiar o problema.
O que quero dizer com isto é que, salvo raras excepções, os museus em Portugal têm mostrado escassa capacidade de se vender. Ou seja: de se propor ao público como serviço. Nessa falta de noção da realidade, falham na sua missão mais mediática e depois na intrínseca, já que não conseguindo chamar público (não conseguindo, por isso, manter e aumentar o seu papel como divulgadores de cultura) falharão, mais tarde ou mais cedo, na sua missão de preservação da cultura (como conseguir os meios para se manter?).
Assim sendo, penso sinceramente que está na altura de pensar os museus como serviços públicos e, por isso mesmo, como facilitadores de experiências diversas. Para tanto, o museu tem de se pensar como espaço multifacetado, em que a partilha do saber é feita de modos vários mas sempre inteligentes, lúdicos e diversificados.
Nesse quente dia de Junho, em frente ao Museu, a Professora Raquel Henriques da Silva lançava um repto provocatório ao afirmar que já que o Estado se queria demitir, que se demitisse de vez e que, nesse sentido, desse espaço a outros. Na sequência, propunha como gestora para esse espaço a Catarina Portas. Concluía que muitos poderiam criticar esta proposta mas que lhe parecia viável.
Devo dizer que concordei completamente. Na realidade, a proposta (que me pareceu desde logo simples, limpa e viável) de pôr a Catarina Portas à frente de um projecto de gestão do Museu, tem toda a lógica por se tratar de uma jovem empresária, com claras apetências culturais, que já deu provas de saber gerir. O que — convenhamos — é muito mais do que muitos directores de museus portugueses (com extensos pergaminhos intelectuais mas fraca noção de realidade) se podem gabar de ser.
De qualquer modo, seja a Catarina Portas ou outra pessoa, o que importaria para este espaço seria, de facto, torná-lo num lugar apetecível. O que, tendo em conta o contexto de inserção urbana, não é difícil. De facto, tratando-se de um espaço de pequenas dimensões, mas estrategicamente colocado naquela que pode muito bem vir a ser a nossa região lisboeta equivalente ao triângulo de ouro de Madrid, tem todas as condições (ainda mais numa época de crise) para poder ser gerido com inteligência, criatividade e arrojo, sem que ainda por cima sejam necessários orçamentos milionários.
No entanto, isso não basta. Mas uma equipa empenhada e inovadora poderia tornar este museu nesse espaço apelativo. Vejamos: porque não fazer um projecto (saído do concurso de ideias do grupo que estava à mesa e das jovens promotoras do blog que manteve este sonho em estado de alerta, por exemplo — no que eu puder, enquanto cidadã e investigadora, estou desde já disponível para ajudar, também) científico, comercial e turístico para o museu (ou seja, dotado de um claro empreendorismo cultural, algo de que hoje tanto se fala como gerador de riqueza, como tão bem tem defendido o Richard Florida, entre outros) e convidar como parceiros mecenas várias entidades não concorrentes (ou mesmo concorrentes desde que "aconselhadas" mesmo que compulsivamente pela Administração do Porto de Lisboa)?
Porque não avançar com a proposta referida nesse dia 20, mesmo que em maquete, do Arquitecto Victor Mestre, e com um projecto científico com contornos concretos, incluindo uma equipa disponível para organizar exposições temporárias, um catálogo de publicações, organização de documentação, etc., mais o tal projecto de gestão (já com alguns mecenas contactados e disponíveis)? Porque não apresentar uma "alternativa ao aeroporto"?
O optimismo que todos manifestaram nesse dia 20 de Junho deu frutos, como se vê. Pelo menos, travou-se a disparatada ideia do Museu da Língua e a irresponsável ideia da aniquilação deste projecto único (diferenciação a ser usada positivamente num mundo cada vez mais sedento de projectos únicos!). Como optimista por natureza, o optimismo parece-me a única via possível. Mas, para que ele não se transforme numa alucinação (como bem Lembra o António Câmara), é necessário concretizar de modo pragmático. Citando ainda José Gil, o pragmatismo é o que falta ao sonho em Portugal; e convém não ser esquecido sob pena de minar tudo à partida.
Por isso, faço um apelo: o grupo que se propuser à reanimação do MAP que avance com um projecto concreto, atrevido, interessante e capaz de boa saúde. Que não se esqueça de seduzir, além do público interno, os agentes turísticos, os investigadores e os diletantes. A arte popular é atractiva por si. Não a percam com discursos fechados. E, sobretudo, estudem-na, sim, mas divulguem-na bem. A comunicação hoje é determinante. Para terminar, só um lembrete histórico: em 1882, organizou-se em Portugal a primeira grande exposição de arte. Chamou-se "Exposição Retrospectiva de Arte Ornamental Portuguesa e Espanhola". Teve, pela primeira vez em Portugal, luz eléctrica e outras atracções. Recebeu 100.000 visitantes e teve eco na imprensa de vários países da Europa. Mas, ainda assim, menos do que poderia ter tido. Como escreveu então um enviado francês: "os portugueses sabem fazer, mas não sabem divulgar." Que o erro sirva para não ser repetido.
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